Escriba

vovó marly, madrinha querida,

esse final de ano será o primeiro, de muitos, em que nós, mulheres da família, não receberemos os paninhos de pratos ou as bandejas com motivos de natal – todos com seu cuidado, com seus detalhes, com seus mimos. bom, mas isso nem é o mais importante agora. explico: nos últimos dias, minha vó u me pediu que escrevesse alguma coisa para ler aqui, nessa missa, hoje, 21 de outubro de 2015. minha vó u queria mesmo era que eu escrevesse algo SOBRE você – me falou várias vezes, você sabe como ela é com os rituais de família. bom, eu tentei. engasguei algumas vezes, e já ia desistir, confesso. então, hoje à tarde, eu resolvi que seria mais fácil escrever alguma coisa PARA você. porque afinal de contas, crenças à parte, tenho certeza absoluta que você me escuta agora – nem que seja esse pedacinho de você que carregamos aqui, dentro de cada um de nós, veloso bittencourt, veloso cavalcanti, ou seus amigos e amigas. todos nós temos tanto de você conosco, que é difícil falar SOBRE você, te deixando no passado. não consigo. por isso, vó marly, é para você que eu falo. e falo no presente. quanto aos paninhos de prato, não se preocupe. temos muitos. você nos abasteceu com quantidade suficiente para enfeitarmos nossas cozinhas por muitos e muitos natais. e essas nossas crianças também já comem chocolate suficiente, mais do que deveriam. fique tranquila, eles vão entender. mas hoje me dei conta de que muitas famílias receberão menos amor nesse natal. isso sim, me deixou triste. é que essa sua generosidade com as pessoas mais pobres que a gente, como costumamos dizer, é difícil de encontrar. essa capacidade de doação, esse seu coração enorme, essa vontade de fazer o bem às crianças (e adultos) que não tiveram as mesmas oportunidades que os nossos filhos, isso é muito raro de encontrar, nesse mundo egocentrado, ensimesmado e tão competitivo. mas madrinha, de minha parte, prometo ser uma pessoa melhor – como você. prometo olhar mais e mais para quem realmente precisa, nesse natal e em tantos outros dias do ano, em que só olhamos para nós mesmos. prometo aprender um pouco mais dessa calma e serenidade que seu olhar nos trás. aliás, essa lindeza de olhar tranquilo, tão maternal, é algo que eu nunca entendi direito em você. como pode alguém perder a mãe tão cedo, tão criança, e conseguir se transformar em mãe e avó de tanta gente, sem nem mesmo ter tido seus próprios filhos biológicos? os psicanalistas costumam dizer que a gente dá o que recebe. como você pode, então, dedicar tanto da sua vida às suas irmãs, aos seus sobrinhos-filhos e a nós, sobrinhos-netos e bisnetos? e a todos os outros que passam no seu caminho e que são agraciados com sua dedicação? para nós, esse ponto de referência, esse porto seguro que é o seu colo, vó, está bem guardado aqui conosco. sabemos da sua devoção à religião católica. tenho certeza de que você nos quer assim hoje: juntos, reunidos, na casa de deus, em oração. em cada carro, em cada bolsa, tem uma medalhinha ou um tercinho que você nos deu, para nos proteger. e estamos bem, vó, acredite. estamos protegidos. você sempre encontra sua forma de nos abençoar, de nos acolher, de tomar conta da gente. e se você não está aqui hoje, fisicamente, agora sim é que temos a certeza – aconchegante – de que você não nos deixará. e se há mesmo esse outro lugar, esse lugar bonito aí por cima, ele está em festa, há um mês. porque receber essa mulher de fé e de amor, só pode ser uma grande honra. receber uma mulher culta, trabalhadora, honesta, sempre com um livro na mão (um exemplo), solidária, quase incapaz de nos dizer um não (quantas vezes eu mesma bati na sua porta, pedindo para me socorrer com um botijão de gás, né? todos nós temos nossas histórias e nossos pedidos atendidos, nossos copos com letrinhas gravadas, cheios de adesivos, tantas boas recordações…) – isso só pode ser um bom momento aí por cima.  dê um beijo nosso em vovô agnelo. outro em vovó alice. e em tio chico, esse querido. e que todos vocês continuem nos cuidando daí. por aqui, o trio irmãs-veloso permanece unido. um trio, sempre. sua presença (ausente) está com elas todos os dias, com minha vó u, com vovó ice – essas nossas fortalezas. nossas saudades, vó. nosso amor. e nossos beijos de até um dia. porque é assim que a vida é. 

para vovó marly, madrinha. em sua missa de trigésimo dia. 2015.

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